Ao ver uma ordem desrespeitada por razões burocráticas, e num ataque de fúria, o neurocirurgião Henry Marsh agarra o nariz a um pobre enfermeiro e torce-o com violência. No dia seguinte, o médico pede desculpas e entrega a carta de demissão. Já não suporta a degradação crescente do Serviço Nacional de Saúde Britânico. Não tolera a erosão da sua autoridade, num sistema cada vez mais frio e mecanizado.
Reformado, procura definir o passo seguinte. Ainda se sente útil e capaz, mas não ali. Oferece-se para operar pro bono, começa a passar temporadas na Ucrânia, no Nepal, a trabalhar em situações extremas, a testemunhar uma miséria sem fim. De regresso a Inglaterra descobre um casebre abandonado, em Oxford, junto ao rio Tamisa. E é para lá que volta, nos intervalos das viagens. Amante de ferramentas e do trabalho manual, começa a reconstruir a casa.
A reconstrução, tábua a tábua, é a metáfora perfeita em redor da qual se tecem estas memórias. Recorda a sua turbulenta juventude, o seu nascimento enquanto cirurgião. Mas foca-se sobretudo no fim que se aproxima, o medo que o corpo falhe, ou, pior ainda, a mente.
Com a mesma desassombrada lucidez de Não Faças Mal, Henry Marsh retoma aqui as questões que o atormentaram durante 40 anos, o que fez de bom e de mau, o que poderia ter feito melhor.